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Desde 2015, o Ceará tem vivenciado uma mudança significativa na atuação das facções criminosas. A observação é de Artur Pires, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
De acordo com o especialista, antes concentrados no tráfico atacadista e em operações nos portos e aeroportos, esses grupos criminosos passaram a ocupar ostensivamente as periferias urbanas, marcando territórios e ampliando sua influência local.
O resultado disso são as diversas ações violentas realizadas pelas facções, como agressões e mortes, expulsões de moradores em Fortaleza e outras cidades do estado, extorsão e tentativa de monopólio de serviços e comércios.
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Desde fevereiro, os provedores de internet do Ceará estão sendo alvos de uma série de ataques promovidos por uma facção criminosa, que está cobrando das empresas parte do valor dos serviços prestados. — Foto: Reprodução
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A boa localização geográfica do Ceará e uma infraestrutura eficiente colocam o estado na mira dos criminosos, que querem expandir o tráfico de drogas e apostar em outras formas de escoar suas mercadorias ilícitas (entenda mais abaixo).
No meio do fogo cruzado, moradores vivem clima de medo e tensão. Uma vila da cidade de Pacatuba, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), por exemplo, tornou-se um território “fantasma” após criminosos expulsarem os moradores. Uma pessoa foi presa por suspeita de envolvimento no caso. Ouça o que diz um morador:
Esta não é, no entanto, a única maneira encontrada pelas facções para demonstrar força e poder. No início de 2025, o Ceará enfrentou uma série de ataques a provedores de internet. Os criminosos buscavam monopolizar o serviço e, por isso, estavam cobrando taxas para as empresas atuarem. Carros e comércios foram incendiados.
Outro caso é a expulsão de moradores de um distrito inteiro de Morada Nova, cidade do interior cearense. Uiraponga tinha 300 famílias que foram obrigadas a deixar suas casas após ameaças de facções.
Um relatório do Núcleo de Inteligência da Polícia Civil do Ceará obtido pela TV Verdes Mares revela que de janeiro de 2024 a setembro de 2025, a Secretaria da Segurança Pública (SSPDS) registrou 219 casos de “deslocamentos forçados” de moradores em todo o Ceará, como a pasta se refere às expulsões.
Situações como essa revelam que o estado do Ceará pode estar na mira dos criminosos. Nesta reportagem, entenda por que isso acontece e quais são as saídas.
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Pichações revelam expansão das facções criminosas no estado. — Foto: Reprodução
Antes de abordar como o Ceará se tornou um ponto estratégico para organizações criminosas, é preciso relembrar como ocorreu a ascensão das facções no Estado até chegar ao cenário atual, marcado por diversos grupos disputando o controle de territórios.
Nas décadas de 1980 e 1990, a violência era fragmentada, com a atuação de pequenas gangues locais formadas por grupos de jovens envolvidos em disputas territoriais.
Segundo o sociólogo Luiz Fábio Paiva, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC), a partir de 2015 foi observada a presença das primeiras facções no Estado.
“Havia ações de facções como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, mas elas eram voltadas para esquemas criminais, como assaltos a bancos, sequestros e alguma articulação dentro das unidades prisionais. Era uma dimensão mais geral”, explicou Luiz Fábio Paiva.
Esse cenário mudou em 2016, quando as facções começaram a se fortalecer. Foi nesse mesmo período que surgiu a facção Guardiões do Estado (GDE), originária da periferia de Fortaleza, que chegou a ser uma das maiores do Estado antes da expansão do Comando Vermelho (CV), ocorrida em setembro deste ano.
“Em 2016, as facções buscaram exercer sua força. No início, elas controlavam ações como assaltos e a eliminação de desafetos, até escalarem para a proibição da circulação de moradores em determinadas áreas, causando uma certa ‘fronteirização’”, afirmou o sociólogo.
Com o fortalecimento dessas organizações, as facções passaram a expulsar moradores considerados simpatizantes de grupos rivais ou parentes de desafetos.
“A gente vê uma penetração desses grupos na vida e no cotidiano dos moradores e uma certa dificuldade do Estado em conseguir coibir esse tipo de conduta. Nós não estamos mais falando de grupos que apenas controlam atividades criminosas, mas de organizações que extrapolam essa atividade para exercer força sobre as comunidades e seus estilos de vida”, ressaltou o pesquisador.
Para o sociólogo, a ascensão das facções no Ceará está ligada, entre outros fatores, à forma como esses grupos se articulam.
O interesse das facções criminosas pelo Ceará ocorre porque o estado ocupa uma posição estratégica no Brasil e tem uma boa infraestrutura de portos, aeroportos e rodovias. Despachar as mercadorias partindo do Ceará para países da Europa, África e América do Norte é considerado mais barato. Quanto menor a distância, menor é o custo, diz Artur.
“O porto do Pecém, por exemplo, não é um porto qualquer. É um porto muito bem desenvolvido que tem ligações internacionais, inclusive uma parceria com o Porto de Roterdã, um dos maiores da Europa. O aeroporto Pinto Martins também é um grande exportador de cargas do Brasil, e Fortaleza cada vez mais tem voos internacionais. Isso é muito importante para as facções, porque elas podem enviar, escoar suas mercadorias para o mundo todo (…) Fora a localização, o Ceará é muito estratégico pela infraestrutura”, explica Artur Pires.
Os especialistas consultados pelo g1 apontam que os criminosos estão buscando outras maneiras de ganhar dinheiro para além do tráfico de drogas e, por isso, agem extorquindo comerciantes e tentam monopolizar comércios e serviços.
Em agosto deste ano, por exemplo, criminosos do Comando Vermelho (CV) tentaram controlar a venda de água de coco e de outros produtos na Avenida Beira-Mar, principal ponto turístico de Fortaleza.
“O que aconteceu na Beira-Mar, além de uma extorsão, era uma prática em que eles diziam que os comerciantes só poderiam comprar num depósito indicado pela facção. Isso configura uma monopolização de serviços, como, por exemplo, serviço de água, de internet nesses territórios, serviço de TV a cabo clandestino. Tudo está monopolizado a partir dessa territorialização das facções”, explica o pesquisador.
Para Artur Freitas, a gestão do governador Elmano (PT) está sendo ineficiente no combate às facções criminosas. Ele aponta que é preciso pensar a segurança pública em diálogo com o lazer, moradia, saúde e educação, “para que num processo de médio e longo prazo a gente dispute simbolicamente a subjetividade desses jovens que estão achando o discurso da facção muito mais encantador e atraente do que o discurso da cidadania”.
“A política pública de segurança nas últimas décadas tem sido qual? Contrata policiais, compra viaturas, compra armas e constrói prédios, delegacias, Centros Integrados de Segurança e tudo isso. Eles já se mostraram muito ineficientes para conseguir acompanhar a dinâmica do que é a movimentação faccional”, diz Artur.
A superlotação dos presídios também é outro fator que intensifica o problema, pois é lá onde se formam e se fortalecem muitos grupos criminosos. Com o abarrotamento das prisões, Artur pontua que as facções só se desenvolvem. “Na verdade, o processo está caminhando para piorar. Se não mudar a proposta de segurança pública, algo de fato bem diferente do que está aí, em curto prazo, é impossível melhorar”, acrescenta.
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Policiais penais frustram fuga de 12 presos da Unidade Prisional 3, em Itaitinga. — Foto: Reprodução.
O sociólogo Luiz Fábio Paiva também acredita que o Estado precisa mudar a forma de encarar o problema para conseguir enfrentá-lo com mais eficácia.
“O principal erro é pensar que a facção é apenas um fenômeno criminal, restrito à atividade criminosa. Acreditar que basta combater e coibir por meio do aparato policial ou judicial para resolver o problema é um engano. As facções são um fenômeno social. É preciso entender as relações que elas criam, a maneira como agregam pessoas e desenvolvem uma capacidade de articulação e mobilização que é massiva”, concluiu o especialista.
Por Redação g1 CE